sábado, 27 de julho de 2013

Realidades

“Isto não é real” pensou subitamente enquanto limpava as lágrimas com o lenço já encharcado, “não é real, vem o vento e seca tudo, é como se nunca tivessem existido”.

“Não é real, são hormonas, é química, um desequilíbrio qualquer entre ácidos e bases, afinal somos todos uns conjuntos de química com bonitas caixinhas coloridas, pelo menos alguns de nós são bonitas caixinhas, mas o que interessa é que somos todos assim, equilíbrios vacilantes entre sais e vitaminas e… e… coisas, não é real, não é real, recompõe-te”.

As lágrimas caiam sem hesitação, inocentes de pensamentos, escorriam pelo rosto de dentes cerrados até o seu caminho ser interrompido pelo lenço húmido.

 “A vida é assim, não há volta para trás, é assim e vai ser assim até ao fim, não adianta nada essa parvoíce, recompõe-te, recompõe-te, se te vêem assim ficam tristes e, se nada podem fazer, porque é que hás-de entristecer quem gosta de ti? Isto não é real, vem o vento e seca tudo, é como se nunca tivesse existido. Recompõe-te, anda, isto não é real e magoa a quem não queres entristecer, recompõe-te, põe o lenço a jeito do vento, com o sol está quase seco, vês? Não é real, não é real, é como se nunca tivesse existido”.

Encolhida no banco do jardim público onde nunca passava ninguém, dobrava e desdobrava o lenço de papel, segurava-o entre dois dedos ao sol e à brisa, à espera do milagre de secagem que daria razão à voz interior.

"Há meses que é assim e agora é que te deu para isto? Que te dói, o gato que passou, o cão que te cheirou, as folhas a abanar na árvore? Nada têm a ver com nada e as coisas são como são. Esse peso não é real, são enzimas, hormonas, o sol põe-se todos os dias e tu não choras por isso"

 “Não adianta, choras, choras e depois? Fica tudo na mesma, é a vida e podia ser pior, tudo pode ser pior do que é agora, já sabes isso. Recompõe-te, recompõe-te, isto não é real, são os sais, as hormonas, sei lá, é uma coisa qualquer, não é real, não é real, vem o vento e seca tudo, não é real, recompõe-te, tens de ir para casa”.

Quando chegou a casa, sorria. A filha não deu por nada.

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