terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Premonições

Uma aragem fria varre as ruas desertas.

As folhas secas dançam a dança louca dos objectos inanimados e os animais livres encolhem-se de medo e frio.

A figura negra avança devagar e traz com ela um presságio agourento, abafado, uma tragédia à beira de acontecer. Os animais encolhem-se mais, reduzindo ao máximo a sua presença – se pudessem, desapareceriam por algum tempo.

Há luz mas não se vê o sol, aprisionado nas grandes nuvens pesadas, cinzentas e tristes. Não chove e a promessa de vida que qualquer água contém não alivia o prenúncio de desgraça.

Ao longo da rua as árvores erguem ao céu os esguios braços nus, quais figuras pedindo compaixão a um qualquer deus maldoso. Longas filas de silenciosas suplicantes, tristes e sem esperança, tornam a rua por onde avança a figura um caminho de desolação.

Os pássaros desapareceram. Não há um par de asas no ar e nem um pipilar tímido distrai a atmosfera pesada.

A figura pára. Será que sente, ela própria, a angústia que o seu movimento lento e inevitável espalha? Terá estremecido? Será de frio, será de medo, o seu estremecer?

A silhueta dobra-se um pouco, sobre o malmequer selvagem que, teimoso como só um selvagem pode ser, medrou entre as pedras do passeio. Um pequeno malmequer amarelo que floresceu contra tudo e contra todos, arrancado agora com um gesto seco.

A figura abre o capote que a cobre, uma peça estranha, escura e pesada. Abre pouco, apenas o suficiente para meter a mão com o malmequer. Lá dentro, a criança suspensa sorri e estende a mão, pegando no pé da flor com um cuidado anormal para a tenra idade. A figura fecha novamente o capote impedindo o frio de entrar.

No céu esvoaça agora uma andorinha, sabe-se lá vinda de onde.