sábado, 27 de julho de 2013

Assalto

Mariana passeava pelas ruelas estreitas do bairro velho, à procura de puxadores antigos.
Adorava o bairro velho! Sentia nas paredes descoradas as histórias de tantas almas que por ali tinham passado. As janelas com cortinas de renda, as portas entreabertas que deixavam ver as íngremes escadas de madeira por ali acima, as velhotas eternamente vestidas de preto, tudo aquilo a encantava.

Atendeu a chamada do telemóvel quando este tocou – o amigo saudou-a, disse uma graça, ela riu-se. Sentia-se bem, como se sentia sempre quando perambulava pelas ruazinhas cheias de História e de histórias. Estava quase a chegar à lojeca simpática e repleta de artigos, velhos uns, antigos outros. Curiosa esta distinção, pensou: é bom ser “antigo”, é mau ser “velho”; velho é imprestável, passado do prazo de validade, inútil, ao passo que “antigo” é precioso, algo que cumpriu o destino dos anos e se mantém útil e bonito.

Entrou e levou imediatamente uma pancada. Soltou um grito abafado, entre assustada e surpreendida: não estava realmente magoada, tinham-lhe batido com um saco de plástico cheio de qualquer coisa. A mulher que lhe batera com tão inusitado objecto fugiu, assim como o acompanhante, um macho jovem e ágil.

Mariana ficou interdita, sem perceber bem o que tinha acontecido – estava encharcada. Cheirou a manga molhada, meio a medo: não cheirava a nada. Passou as mãos pelo cabelo a pingar e cheirou-as: nada. Era água, água limpa.

Relanceou os olhos pela loja e viu o lojista no chão a ser assistido por uma rapariga - “o que foi, o que aconteceu, estão feridos?” e era a história simples de um assalto atabalhoado. O casal tinha entrado, ameaçaram com a faca, queriam dinheiro e valores, o homem tinha respingado e levara uma facada; entretanto ela tinha entrado na loja a falar alto ao telemóvel e eles tinham fugido.

O homem estava ferido mas sem gravidade, a moça já estava a chamar a polícia para pedir ajuda e Mariana pensou para si própria que ninguém ia acreditar nela: tinha interrompido ladrões de naifa em punho em plena função e que é que acontecia? Batiam-lhe com um saco de água limpa. Um saco de água?!?


Quando a mãe entrou em casa, o miúdo tristonho deitado na cama não disse nada. Prostrado, os olhos mortiços eram olhos tristes de quem não tem nem vitalidade nem esperança.

A mãe aproximou-se, sentiu-lhe a testa com a mão, beijou a pequena bochecha e foi á cozinha improvisada no outro lado da divisão molhar o pano em água da torneira para lhe esfriar a temperatura.

Depois foi esvaziar a panela, enchendo meio prato de uma sopa rala e voltou para colocar o pano na testa febril e sentar-se na cadeira ao lado do doente, de colher na mão; mas a criança recusava-se a comer, como já tinha acontecido de manhã.

- Come, filho, senão não ficas bom. Come só um bocadinho, vá lá…

E o miúdo nada, os olhos sofridos e a boca fechada para aquele líquido ralo e de cheiro estranho.

- Tens de comer, filho… Se comeres a sopinha toda, amanhã trago-te um peixinho de aquário, queres? Um peixinho azul. Tentei trazer um hoje mas o saco rebentou e o peixinho fugiu… Amanhã volto lá e trago-te um, vais ver, um peixinho azul com barbatanas compridas, pomos ali naquele frasco grande. Vou trazer com muito cuidado para não rebentar o saco outra vez, está bem? Mas tens de comer a sopa, vá lá…

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