sábado, 11 de dezembro de 2010

Paz


Tive um sonho lindo
Com estrelas e sóis
luzes coloridas
Uma voz dulcíssima
cantava sorrisos
suaves alegrias
Não via quem cantava
Mas sentia morna
acolhedora
a sua paz feliz

Acordei e soube
Se posso sonhar
posso fazer

Hélas!

sábado, 13 de novembro de 2010

A cigarra e a formiga


Era uma vez uma Cigarra e uma Formiga.

A primavera era linda e a Cigarra, muito alegre, tocava e dançava o tempo todo.

A Formiga, muito disciplinada, andava ocupadíssima a amealhar para o Inverno que sabia que viria; enquanto a Cigarra dançava, a Formiga carregava bagos de arroz; enquanto a Cigarra cantava a Formiga carregava grãos de milho. E enquanto a Cigarra dormia, a Formiga arrumava a despensa, para lá caber mais.

O Inverno chegou.

A Cigarra, cheia de frio e sem nada para comer, bateu à porta da Formiga e pediu-lhe ajuda. Esta, quentinha e sem fome nenhuma, disse-lhe suavemente:

"Quem te mandou cantar e dançar o tempo todo? Eu, minha cara, passei esse tempo a trabalhar que nem uma escrava para não estar agora na situação em que tu estás. Antes, tu nunca te preocupaste com o teu futuro; agora, eu não vou dividir o meu contigo, pois é fruto de muito sacrifício."

A cigarra ficou espantada.

"Achas que eu devia ter estado a carregar bagos e grãos, em vez de cantar e dançar? Mas assim não haveria alegria, nem música para te acompanhar no trabalho... Assim ninguém se ria nem esquecia por momentos o filho doente. Assim ninguém faria nada absolutamente disparatado, ninguém faria nada absolutamente altruísta, ninguém faria nada absolutamente descontraído... Ninguém faria nada diferente de acautelar a própria barriga!
Desculpa, Formiguinha, desculpa. Sempre te vi tão séria e determinada, não fazia ideia que eras triste. Mas olha, alegra-te agora, alegra-te que tens a despensa cheia, a casa quentinha, já não há nada para carregar; podes agora esquecer o trabalho por um bocadinho."

Esquecidos o frio e a fome e galvanizada por aquela tristeza, dançou e cantou como poucas vezes o tinha feito. Um espectáculo sublime a que nem o facto da formiga ter voltado para dentro e fechado a porta tirou inspiração e brilho.

Terminado o bailado, sorriu através da porta fechada. Tocou novamente à campaínha mas a Formiga não abriu a porta... Foi-se embora. Nunca mais a Formiga soube dela.

Ainda hoje, na Primavera, em toda a aldeia e alguns arredores se dançam e cantam as melodias da Cigarra.
Da Formiga ninguém sabe nada - se calhar está lá, com os que são só seus.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sete


7 gatas vadias, em 7 ruas esconsas, escondem 7 sardinhas.
Todas as 7 miam desafios ao dia que passa e para todas as 7, o sol se põe indiferente.

Uma é amarela, outra castanha. Uma tem pintas, outra tem riscas; há uma que tem pantufas, outra que não tem bigode e há uma que tem, na ponta da cauda, um tufo espetado. Uma tem pelos compridos e finos, outra tem-nos grossos e curtos; uma tem manchas negras de pelo lustroso e há outra que tem feridas peladas. Há uma a quem faltam unhas e há outra a quem faltam dentes, uma terceira que é coxa. Há mais diferenças, tantas!
Mas todas miam. Todas têm consigo a capacidade de criar o futuro, quer o tenham concretizado quer não; e todas têm, numa rua estreita, 1 sardinha escondida. Não necessariamente para si.

Há 7 carros velozes, em 7 estradas diferentes. Só há um destino, para as 7 gatas vadias.

Mas as sardinhas, ah! As sardinhas têm todas destinos diferentes.
Uma foi comida pelos filhos, outra pelos pais e uma outra ainda por formigas. Houve uma que deu alento a uma outra gata vadia, outra foi devorada por um cão necessitado. E uma foi roubada por quem não precisava.

E há uma que permanece escondida, à espera da sua necessidade.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Cantai a vida que a morte é muda


Cantai a alegria do Sol e a ternura da Lua e, quando nem o Sol nem a Lua se mostram, cantai as nuvens pesadas que nos fazem companhia.

Cantai as folhas do Outono e as flores da Primavera, cantai o riso da alegria e as lágrimas do desgosto; cantai o andar pesado do vagabundo e o gesto solto da bailarina, cantai o picar da vespa e o voo da andorinha.

Cantai a água fresca da nascente no Verão, cantai o fumo da lareira do Inverno, cantai a bebedeira da borboleta e a disciplina da formiga; cantai a inocência do animal que corre e os montes que ao longe se quedam, cantai o ontem que morreu e o amanhã que nascerá.

Cantai o peixe que nada e o pássaro que voa, cantai o vento que sopra e a chuva que molha, cantai o dia que nasce e a noite que cai. Cantai o mundo todo por inteiro, cantai aquilo que é e aquilo que não é; cantai o sonho e o pesadelo que podiam ter sido e não foram ou que podiam não ter sido e foram.

Cantai os que se aproximam e os que se afastam, cantai quem compreendem e quem não percebem, cantai quem ajuda em horas de necessidade e quem foge ao sacrifício, cantai os que vêem e os que são cegos, cantai tudo o que à vossa porta passe. Ou que não passe.

Cantai, que eu não tenho voz.

domingo, 19 de setembro de 2010

Um conto em Setembro


Jazia deitado na cama, enrolado sobre si próprio.

Mergulhado em sofrimento amorfo, sem esperança, imerso num cansaço entranhado nos ossos, um desânimo cuja profundeza não tinha medida. Não estava desesperado, o desespero leva à acção; estava... desesperançoso, um estado em que tanto a esperança como a falta dela não têm lugar.

Tinha os olhos secos - o choro é uma reacção à tristeza mas a tristeza requer razão e ele estava para além disso. O cérebro tinha-se ausentado num desligamento automático provocado por mecanismos de segurança interna - se pudesse pensar, teria já feito asneira - a natureza é sábia.

Ouviu ranger a porta mas tudo o que não exigisse uma acção imediata e inadiável era trivial e podia ser ignorado. Ignorou o ruído.

Assim esteve, muito e muito tempo. Quando a sede se tornou inadiável, levantou-se lentamente e foi à cozinha.

A porta estava entreaberta e em cima da mesa estava uma pétala. Pegou-lhe: estava murcha mas cheirava bem. Inexplicavelmente sentiu-se melhor, capaz de aceitar que nunca poderia providenciar por inteiro.

Desde que não tivesse medo nem egoísmo, que não colocasse em outros o próprio peso ou culpa, que não renegasse passado ou futuro, que não fugisse à própria incapacidade, a necessidade que não podia satisfazer seria como aquela pétala: murcha mas com aroma a paz.

Nunca mais fecharia a porta da cozinha - abençoado visitante, o que assim lhe devolvia a vida.

sábado, 12 de junho de 2010

Conto moderno


Com um sorriso simples, conta a sua vida: as dívidas do pai que teima em pagar com o seu ordenado exíguo, o irmão que se suicidou por desgosto de viver, a irmã que foge para a sua casa quando o marido está com os azeites, o tio que se demitiu das dores da família e fugiu para longe.
O amor da sua vida que não teve vida para aceitar.

Não tem pudor nos seus sentimentos e tudo lhe é natural; se os outros não podem fazer e ela pode, faz, tão natural como a vida e a morte; aceita todas as responsabilidades e não reivindica direito algum pois não reconhece o conceito.

As rugas da sua cara sublinham os sacrifícios diários e persistentes. Os cabelos de prata embelezam o seu rosto, cada um deles atestando as dores que pensa serem dos outros.

Compreende todos e não se compreende a si própria.