sábado, 27 de julho de 2013

Mais vale rir que chorar

O seu sorriso era uma ode à vida.

Quem a via nunca suspeitaria das dores que já lhe tinham atravessado o peito, a filha adolescente desfigurada e morta por um acidente estúpido, o marido que não tinha aguentado o desgosto e tinha fugido para parte incerta deixando-a solitariamente desvastada pela mágoa e culpa, as pequenas e sempre insatisfeitas necessidades diárias de compreensão e a constante angústia de não ter sido capaz de proteger quem estava a seu cargo...
Nao, quem a conhecia e nada sabia do seu passado limitava-se a ficar alegre na sua presença e, mais tarde, comentar descuidadamente como era contagiantemente alegre, aquela velhota.

A tudo sempre fizera frente com um sorriso.Tinha a teoria arreigada que mais valia rir que chorar e, já que não possuia alegria para si própria, podia pelo menos fazer os outros ter alguma.

Sorria. E por alguma magia desconhecida o seu sorriso, tão artificial como uma perna de pau, era igualmente eficaz – as pessoas sentiam-se quentes e acolhidas naquele sorriso, libertavam-se das suas preocupações por um momento, sorriam de volta e, por momentos, tudo estava certo no lugar certo, não havia dúvidas, medo ou culpa nas pessoas que a rodeavam. Uma alegria serena nascia por si própria naquele ambiente particular e toda a gente se sentia bem.

Menos ela, claro. Mas ela nunca se sentia bem, nunca era livre, por isso não tinha importância – aquilo que nunca é diferente não tem qualquer interesse.

Toda a gente gostava dela. Um gostar sereno como o seu sorriso, alicerçado nas lembranças dos momentos sempre alegres e protegido do esquecimento pela presença constante da suave companhia; ninguém vivo se lembrava de lhe ver um rosto sério ou uma expressão fechada.
Por isso mesmo, nunca ninguém se interrogava se seria feliz, se teria as suas necessidades satisfeitas, se precisaria de algum carinho... Que diabo, quem sorri um sorriso assim não precisa de nada, tem para si e para dar a quem passa!

Quando se sentiu realmente mal, apanhou a camioneta para uma cidade distante; não suportava ser, mais uma vez, incapaz de proteger contra o mal.
Saiu a meio de percurso, perdeu deliberadamente a carreira e, muito cansada, afastou-se lentamente a pé pela berma da estrada.

O relatório policial referia como estranha a expressão do rosto, “sorrindo como se cumprimentasse alguém”, embora não houvesse qualquer vestígio de terceiros.
Mas o médico legista não conseguiu evitar um pequeno sorriso quando se virou para o cadáver e tratou o corpo morto com um respeito inesperado.

Mais uma vez, a velhota de espírito indomável vencia a adversidade com um sorriso.

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