sábado, 13 de novembro de 2010

A cigarra e a formiga


Era uma vez uma Cigarra e uma Formiga.

A primavera era linda e a Cigarra, muito alegre, tocava e dançava o tempo todo.

A Formiga, muito disciplinada, andava ocupadíssima a amealhar para o Inverno que sabia que viria; enquanto a Cigarra dançava, a Formiga carregava bagos de arroz; enquanto a Cigarra cantava a Formiga carregava grãos de milho. E enquanto a Cigarra dormia, a Formiga arrumava a despensa, para lá caber mais.

O Inverno chegou.

A Cigarra, cheia de frio e sem nada para comer, bateu à porta da Formiga e pediu-lhe ajuda. Esta, quentinha e sem fome nenhuma, disse-lhe suavemente:

"Quem te mandou cantar e dançar o tempo todo? Eu, minha cara, passei esse tempo a trabalhar que nem uma escrava para não estar agora na situação em que tu estás. Antes, tu nunca te preocupaste com o teu futuro; agora, eu não vou dividir o meu contigo, pois é fruto de muito sacrifício."

A cigarra ficou espantada.

"Achas que eu devia ter estado a carregar bagos e grãos, em vez de cantar e dançar? Mas assim não haveria alegria, nem música para te acompanhar no trabalho... Assim ninguém se ria nem esquecia por momentos o filho doente. Assim ninguém faria nada absolutamente disparatado, ninguém faria nada absolutamente altruísta, ninguém faria nada absolutamente descontraído... Ninguém faria nada diferente de acautelar a própria barriga!
Desculpa, Formiguinha, desculpa. Sempre te vi tão séria e determinada, não fazia ideia que eras triste. Mas olha, alegra-te agora, alegra-te que tens a despensa cheia, a casa quentinha, já não há nada para carregar; podes agora esquecer o trabalho por um bocadinho."

Esquecidos o frio e a fome e galvanizada por aquela tristeza, dançou e cantou como poucas vezes o tinha feito. Um espectáculo sublime a que nem o facto da formiga ter voltado para dentro e fechado a porta tirou inspiração e brilho.

Terminado o bailado, sorriu através da porta fechada. Tocou novamente à campaínha mas a Formiga não abriu a porta... Foi-se embora. Nunca mais a Formiga soube dela.

Ainda hoje, na Primavera, em toda a aldeia e alguns arredores se dançam e cantam as melodias da Cigarra.
Da Formiga ninguém sabe nada - se calhar está lá, com os que são só seus.

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